domingo, 5 de setembro de 2010

Estou Velho


Foto ilustrativa
César Augusto Torres

Deitado em um beliche segurando um luxuoso relógio de ouro com uma das mãos e com o olhar fixo no teto – Dr. Rafael vê passar em sua mente o filme de sua vida.

-Papai! Marquei a data de meu casamento com Helena!

-Maravilhoso filho, Helena é uma boa moça, faremos uma grande festa.

-Obrigado Papai, você é o melhor pai do mundo.

-Rafael agora que está casado eu e sua mãe resolvemos lhe dar uma responsabilidade maior, lhe passando a Direção da Empresa.

-Nem acredito Papai! Continuo a dizer que você é o melhor pai do mundo.

-Tudo bem filho, mas lembre-se, esta empresa está com nossa família a quatro gerações.

- Não o decepcionarei! Pode ficar tranquilo!

Alguns anos se passaram.

-Rafael você já esteve hoje visitando seu pai? Ele não anda muito bem de saúde. Disse Helena.

-Não tive tempo, amanhã vou fazer uma forcinha de passar por lá.

- Acho bom, desde a morte de tua mãe que ele não anda muito bem.

-Olha querida, como não tenho muito tempo para essas visitas, pensei em trazê-lo para morar em nossa casa.

- Não será uma boa idéia. Ele já está muito cansativo, repetindo tudo e ainda não é muito chegado em banho. A sua alimentação também é diferente da nossa e o meu tempo também é pouco.

-O que sugere que eu faça?

-Um abrigo de velhos. Você pode pagar!

-Não acho justo.

- Não vejo outro caminho, você mesmo não tem dado nenhuma assistência ao seu pai por falta de tempo.

-Acho difícil essa decisão, e alem do mais a emfermeira tem cuidado bem dele.

- Será? A última vez que estive lá ele reclamou muito. Está se sentindo muito só,
disse que a Maria não conversa com ele, só fica grudada na televisão ou telefone.

-O que quer que eu faça? Ele é muito chato! Está difícil de dialogar com ele.

- Ai é que acho que um abrigo é melhor, lá tem muitos velhos e ele terá muita gente para se relacionar. E de vez em quando você o traz para passar o final de semana conosco.

-Vou passar lá e decidir o que fazer.

Meses depois.

-Não lhe disse! Já tem seis meses e ele até hoje não reclamou nada.

- Tenho minhas dúvidas Helena, ele anda muito sem assunto quando o visito, e não demonstra entusiasmo quando o convido para nos visitar, não quer mais sair do abrigo.

- Acho que está bem, senão reclamaria, foi sempre muito exigente.

Véspera de Natal.

-Meu bem, a empresa foi contemplada com uma viagem para três casais em uma turnê na Europa, com todas as despesas pagas. Estou mesmo precisando de umas férias. Vamos aproveitar que as crianças estão de férias e iremos. Até programei férias coletivas na empresa, assim viajo despreocupado.

-Maravilhoso! Será um presentão de natal.

- Só estou preocupado com papai, todo ano fazemos a comemoração de natal e ano novo aqui em casa, todos juntos. Vai sentir falta.

-Podemos fazer uma pequena festinha aqui em casa na semana anterior à viagem, convidamos alguns amigos nossos, as crianças podem trazer também seus amigos, ele irá gostar e saberá entender.

-Ótima idéia!

Na semana anterior a viagem.

-Papai estes são nossos amigos, aqueles jovens são colegas dos seus netos. Esse encontro é para comemorarmos o natal antecipado, pois estaremos viajando no natal e ano Novo.

-Está bem meu filho, mas não era necessário.

-Meu bem estou observando seu pai, está a horas sozinho assentado no sofá da sala.

- Até me esqueci dele. Vou lá e trazê-lo para junto de nós, e peça as crianças para irem também falar com ele.

- Filhos, me escutem! Vocês devem dar um pouco de atenção ao seu avô.

-Mamãe, o vovô não tem assunto que nos interessa, só fala das coisas que passou e ja até decoramos de tamto repetir.

-É verdade, mas acho que devem ficar com ele pelo menos um pouquinho, ele parece muito triste.

A Viagem.

-Meu bem, esse é melhor presente que poderia me dar. Nunca imaginei um passeio destes.

-Eu também estou feliz igual as nossas crianças. É só alegria.

No abrigo.

-Hoje é Natal e o Sr. Paulo ainda não saiu do quarto até agora, e já vamos servir a Ceia.

-Vou chamá-lo!

-Porque essa cara de assustada Marta?

-Ele morreu!

-Não é possível! Hoje no café manhã e no almoço parecia bem, apesar de muito calado.

- Vamos ligar para o seu filho. Dr. Rafael.

- Faça isso, mas acho que está viajando.

- Pegue a agenda que temos os telefones pessoais, e da empresa.

- Nanci, eu não consegui falar – na empresa ninguém atende, em sua casa também, o celular só da fora de área.

-Continue tentando marta.

-Temos que tomar uma decisão, ele já está sendo velado há doze horas se não conseguimos contato com ninguém da família. Teremos que sepultá-lo sem a presença dos familiares.

-Pode chamar a Assistente Social e a funerária, nos mesmas iremos fazer a última homenagem.

Dez dias depois.

-Vou lá ver meu pai e saber como foi seu natal e final de ano. Acho que irá adorar o Relógio que lhe trouxe de presente.

-É bom mesmo ir rápido, o nosso telefone possui registro de várias ligação não atendidas do abrigo.

No abrigo.

- Bom dia dona Marta! Acabamos de chegar e estou ansioso para ver meu pai e entregar-lhe um presente.

- Bom dia Dr. Rafael, entre por favor.

-Onde está meu pai?

-Sente-se e vamos conversar.

- O que houve?

Após o relato detalhado do ocorrido a Dr Rafael, duas lágrimas rolaram em sua fece.

Os anos se passaram.

Estou com 85 anos, muito fraco, quase sem forças para me locomover. Não vejo meus filhos há anos, minha empresa faliu, perdi toda minha riqueza, principalmente minha família, a maior de todas. Me restou apenas lembranças que me consomem a cada dia, esse relógio é o troféu da minha insensibilidade. A ausência de minha família e o silencio deles é meu maior castigo. Hoje sei que meu velho morreu de tristeza. E acho que mereço o mesmo destino, mas apesar de tudo não gostaria que esse fosse o destino de meus filhos. Só agora entendo o que Cristo quis dizer "Honra a teu pai e a tua mãe, como o SENHOR teu Deus te ordenou, para que se prolonguem os teus dias, e para que te vá bem na terra que te dá o SENHOR teu Deus." (Deuteronômio 5 : 16)

Nesse momento seus dois filhos entram no quarto.

-Querido pai! Desculpe-nos, mas depois que perdemos tudo, só agora conseguimos melhorar de vida, e viemos buscá-lo para morar conosco e nos alegrar. Estão aguardando no carro nossas esposas e seus netos.

Nessa hora Dr. Rafael desabou em prantos.